Por
Folha de São Paulo
29/01/2014 03h00
Entra
em vigor hoje a Lei de Combate à Corrupção (nº 12.846/13), uma das iniciativas
mais importantes do Legislativo nos últimos tempos.
Os
menos avisados podem se perguntar sobre o que há de novo, uma vez que a
corrupção já era proibida em nosso ordenamento. Mas há uma diferença: em geral,
as normas anteriores puniam apenas as pessoas físicas que cometiam a corrupção,
deixando de lado a empresa, em regra a mais favorecida com o ato.
Agora,
as empresas também serão responsabilizadas por atos de corrupção e outros
similares praticados em seu benefício. A lei prevê penas duras, como multas de
0,1% a 20% do faturamento bruto, vedação de contratar com o poder público e até
a dissolução compulsória, uma "pena de morte empresarial".
Talvez
a inovação mais significativa –e polêmica– seja a previsão da responsabilidade
objetiva da empresa. Com isso, a corporação será punida mesmo que seus
dirigentes não tenham autorizado o ato ilícito. Basta que um funcionário
parceiro, contratado ou consorciado tenha oferecido ou pago vantagem indevida a
funcionário público, e as penas serão aplicadas.
Desde
que a empresa seja beneficiada pelo ato, claro. Assim, se uma corporação
contrata um serviço de terceiro para obter licença ambiental, e este pague
propina, ambos serão punidos.
A
ideia do legislador é que a empresa cuide não apenas de sua probidade, mas
também se assegure do comportamento ético daqueles com os quais trabalha. Claro
que isso tem o limite do bom senso, dada a impossibilidade de se conhecer
integralmente o caráter de seus parceiros ou empregados. Mas a ideia é
incentivar a corporação a desenvolver sistemas de controle internos que façam
checagens periódicas sobre seus colaboradores, assegurando-se de que todos
mantêm uma postura correta em relação ao poder público.
Nessa
linha, a lei prevê a redução da sanção para a empresa que mantiver mecanismos
internos de prevenção a atos ilícitos, códigos de ética, auditorias regulares e
canais para denúncias. Busca-se, com isso, estimular o compromisso empresarial
com uma cultura ética.
Os
impactos da lei já foram sentidos. É notável como boa parte das corporações
revisaram ou criaram regras de boas condutas, estabeleceram padrões rígidos de
comportamento e passaram a colaborar com investigações em suas dependências. Ao
contrário de tantas leis que "não pegam", essa surtiu efeitos mesmo
antes de entrar em vigor.
É
claro que existem problemas. A falta de critérios claros para a fixação das
penas e a possibilidade de que a União, Estados e municípios apurem os fatos e
apliquem sanções autonomamente podem gerar excessos e conflitos. Mas espera-se
que os entes federados estabeleçam diretrizes para uma atuação harmônica. Do
contrário, o Judiciário será acionado para garantir a razoabilidade na
incidência da lei.
Criticas
à parte, a lei é boa. Vale sempre lembrar que não se trata de norma penal. Não
tem a contundência inútil da ameaça de prisão, mas a racionalidade de
identificar os reais beneficiários do ato de corrupção e puni-los, afetando seu
setor mais sensível: o faturamento. Ademais, ao prever a colaboração das
empresas na identificação ou repressão aos ilícitos que possam ser praticados
em seu benefício, o poder público faz uma espécie de prevenção geral positiva,
forçando a incorporação de novos valores na organização corporativa.
Se
tal estratégia é adequada, o tempo dirá. Mas criar dispositivos que incentivem
a cooperação dos agentes privados parece mais eficiente do que a velha e
fracassada política de aumentar penas ou transformar tudo o que incomoda em
crime hediondo, como se isso, num passe de mágica, reduzisse o crime organizado
a pó.
Autores:
PIERPAOLO
CRUZ BOTTINI, 37, advogado, é professor doutor de direito penal da Faculdade de
Direito da USP. Foi secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da
Justiça (governo Lula)
IGOR
TAMASAUSKAS, 37, é advogado. Foi subchefe adjunto da Casa Civil da Presidência
da República para Assuntos Jurídicos (governo Lula)
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