Assumindo os próprios erros: a importância da confissão espontânea no
processo penal
Por Migalhas n. 3085, de 25 de março de 2013
Em matéria especial, o STJ
reforça importância da confissão voluntária no processo penal, o que facilita a
atuação do Poder Judiciário e atenua a pena para o agente. Confira o texto na
íntegra abaixo:
Reconhecer a autoria do crime é
atitude de especial relevância para o Judiciário. O réu pode contar com a
atenuante da pena e colaborar com as investigações em curso. Pode contribuir
ainda com um julgamento mais célere e com a verdade dos fatos. Mas em que
circunstâncias a admissão do crime implica realmente benefício para o culpado e
qual a posição do STJ sobre o assunto?
O artigo 65, inciso III,
alínea d, do CP dispõe que a confissão espontânea de autoria do crime é
circunstância que atenua a pena. Assim, aqueles que, em tese, admitirem
a autoria do fato em presença de uma autoridade terá como prêmio uma pena mais
branda. O primeiro elemento exigido pela lei, então, é a confissão ser
voluntária; a segunda é que seja em presença de autoridade.
A autoridade pode ser tanto o
delegado de polícia, o magistrado ou o representante do MP. É entendimento
do STJ que não cabe ao magistrado fazer especulações sobre os motivos que
conduziram o réu a admitir a culpa. A jurisprudência dispõe que a confissão,
prevista no texto da lei, é de caráter meramente objetivo. Isso significa que o
acusado não precisa apresentar motivação específica ou qualquer outro requisito
subjetivo para sua caracterização (HC 129.278).
Arrependimento
O STJ entende que pouco importa o
arrependimento ou a existência de interesse pessoal do réu ao admitir a culpa.
A atenuante tem função objetiva e pragmática de colaborar com a verdade,
facilitando a atuação do Poder Judiciário. "A confissão espontânea hoje é
de caráter meramente objetivo, não fazendo a lei referência a motivos ou
circunstâncias que a determinaram", assinalou o ministro Paulo Gallotti,
ao apreciar HC de MS (HC 22.927).
É entendimento também do STJ de
que não importa se o réu assumiu parcial ou totalmente o crime ou mesmo se
houve retratação posterior. "Se a confissão na fase inquisitorial,
posteriormente retratada em juízo, alicerçou o decreto condenatório, é de ser
reconhecido o benefício da atenuante do artigo 65, III, alínea d, do CP",
assinalou a ministra Laurita Vaz em um de seus julgados. (HC 186.375).
"A confissão, realizada
diante de autoridade policial quanto a um delito de roubo, mesmo que
posteriormente retratada em juízo, é suficiente para incidir a atenuante quando
expressamente utilizada para a formação do convencimento do julgador",
assinalou o ministro Jorge Mussi em um julgado. Segundo ele, pouco importa se a
admissão da prática do ilícito foi espontânea ou não, integral ou parcial (HC
217.687).
Os magistrados entendem que a lei
não faz ressalva em relação à maneira como o agente pronunciou a confissão. A
única exigência legal, segundo a Corte, é que essa atenuante seja levada em
consideração pelo magistrado quando da fixação da pena (HC 479.50). Mesmo
havendo retratação em juízo, segundo o STJ, se o magistrado usar da confissão
retratada como base para o reconhecimento da autoria do crime, essa
circunstância deve ser levada em consideração no momento da dosimetria da pena
(HC 107.310).
Confissão qualificada
O STJ tem se posicionado no
sentido de que não cabe a atenuante em casos de confissão qualificada – aquela
em que o acusado admite a autoria, mas alega ter sido acobertado por causa
excludente da ilicitude. É o caso de um réu confessar o crime, mas alegar que
agiu em legítima defesa.
Isso porque, segundo uma decisão
da 6ª turma, nesses casos, o acusado não estaria propriamente colaborando para
a elucidação do crime, mas agindo no exercício de autodefesa (REsp 999.783).
Na análise de um habeas corpus
oriundo do RS, a 5ª turma reiterou o entendimento de que a confissão
qualificada não acarreta o reconhecimento da atenuante. No caso, um réu atirou
em policiais quando da ordem de prisão, mas não admitiu o dolo, alegando
legítima defesa (HC 129.278).
"A confissão qualificada, na
qual o agente agrega à confissão teses defensivas descriminantes ou
exculpantes, não tem o condão de ensejar o reconhecimento da atenuante prevista
no artigo 65, inciso III, alínea d, do CP", sustentou a ministra Laurita
Vaz, na ocasião do julgamento. A versão dos fatos apresentada pelo réu não foi
utilizada para embasar sua condenação.
Personalidade do réu
A atenuante da confissão, segundo
decisões de alguns ministros, tem estreita relação com a personalidade do
agente. Aquele que assume o erro praticado, de forma espontânea – ou a autoria
de crime que era ignorado ou atribuído a outro – denota possuir sentimentos
morais que o diferenciam dos demais.
É no que acredita a
desembargadora Jane Silva, que atuou em turma criminal no STJ, defendendo a
seguinte posição: "Penso que aquele que confessa o crime tem um atributo
especial na sua personalidade", defendeu ela, “pois ou quer evitar que um
inocente seja castigado de forma não merecida ou se arrependeu sinceramente”.
E, mesmo não se arrependendo, segundo a desembargadora, o réu merece atenuação
da pena, pois reconhece a ação da Justiça – "à qual se sujeita",
colaborando com ela.
A desembargadora definiu a
personalidade como conjunto de atributos que cada indivíduo tem e desenvolve ao
longo da vida até atingir a maturidade; diferentemente do caráter, que, segundo
ela, é mutável. Dessa forma, o réu que confessa espontaneamente o crime
"revela uma personalidade tendente à ressocialização, pois demonstra que é
capaz de assumir a prática de seus atos, ainda que tal confissão, às vezes,
resulte em seu prejuízo, bem como se mostra capaz de assumir as consequências
que o ato criminoso gerou, facilitando a execução da pena que lhe é
imposta" (REsp 1.012.187).
Reincidência
No Brasil, conforme previsão do
artigo 68 do CP, o juiz, no momento de estabelecer a pena de prisão, adota o
chamado sistema trifásico, em que primeiro define a pena-base (com fundamento
nos dados elementares do artigo 59: culpabilidade, antecedentes, motivação,
consequências etc.), depois faz incidir as circunstâncias agravantes e
atenuantes (artigos 61 a 66) e, por último, leva em conta as causas de aumento
ou de diminuição da pena.
A 3ª seção decidiu em maio do ano
passado, por maioria de votos, que, na dosimetria da pena, devem ser
compensadas a atenuante da confissão espontânea e a agravante da reincidência,
por serem igualmente preponderantes. A questão consistia em definir se a
agravante da reincidência teria maior relevo ou se equivalia à atenuante da
confissão. A solução foi dada com o voto de desempate da ministra Maria Thereza
de Assis Moura (EREsp 1.154.752).
Segundo explicação do
desembargador convocado Adilson Macabu, proferida no curso do julgamento, o
artigo 65 do CP prevê as circunstâncias favoráveis que sempre atenuam a pena,
sem qualquer ressalva, e, em seguida, o artigo 67 determina uma agravante que
prepondera sobre as atenuantes. Os ministros consideraram na ocasião do
julgamento da 3ª seção que, se a reincidência sempre preponderasse sobre a
confissão, seria mais vantajoso ao acusado não confessar o crime e, portanto,
não auxiliar a Justiça.
O entendimento consolidado na
ocasião é que a confissão revela traço da personalidade do agente, indicando o
seu arrependimento e o desejo de emenda. Assim, nos termos do artigo 67 do CP,
o peso entre a confissão – que diz respeito à personalidade do agente – e a reincidência
– expressamente prevista no referido artigo como circunstância preponderante –
deve ser o mesmo. Daí a possibilidade de compensação.
Autoincriminação
No julgamento de um habeas corpus
em que aplicou a tese firmada pela 3ª seção, o desembargador Adilson Macabu
considerou que a confissão acarreta "economia e celeridade processuais
pela dispensa da prática dos atos que possam ser considerados desnecessários ao
deslinde da questão". Também acrescentou que ela acarreta segurança
material e jurídica ao conteúdo do julgado, pois a condenação reflete, de
maneira inequívoca, a verdade real, buscada inexoravelmente pelo processo (HC
194.189).
O magistrado destacou que a
escolha do réu ao confessar a conduta "demonstra sua abdicação da proteção
constitucional para praticar ato contrário ao seu interesse processual e
criminal", já que a Constituição garante ao acusado o direito ao silêncio
e o direito de não se autoincriminar. "Por isso deve ser devidamente
valorada e premiada como demonstração de personalidade voltada à assunção de
suas responsabilidades penais", concluiu Macabu.
Condenação anterior
Sobre o tema, o STJ tem
entendimento de que a atenuante da confissão espontânea não reduz pena definida
no mínimo legal, nem mesmo que seja de forma provisória. A matéria se enquadra
na súmula 231, do STJ.
Flagrante
Em relação à atenuante quando da
ocorrência da prisão em flagrante ou quando há provas suficientes nos autos que
possam antecipadamente comprovar a autoria, as Turmas criminais do STJ entendem
que "a prisão em flagrante, por si só, não constitui fundamento suficiente
para afastar a incidência da confissão espontânea". Com isso, foi
reformada a decisão proferida pela instância inferior (HC 68.010).
Em um caso analisado pelo STJ, um
réu foi flagrado transportando 6,04 quilos de cocaína e o TJ/MS, na análise de
fixação da pena, não considerou a atenuante da confissão espontânea, ao
argumento de que o réu foi preso em flagrante (REsp 816.375).
Em outra decisão, sobre o mesmo
tema, a 5ª turma reiterou a posição de que "a confissão espontânea
configura-se tão somente pelo reconhecimento do acusado em juízo da autoria do
delito, pouco importando se o conjunto probatório é suficiente para
demonstrá-la ou que o réu tenha se arrependido da infração que praticou"
(HC 31.175).
Disponível em: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI174865,101048-Assumindo+os+proprios+erros+a+importAncia+da+confissao+espontAnea+no
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